Alípio Dias & Irmão
A loja, a parte de retalho, é mais conhecida por A Sementeira, mas Alípio Dias & Irmão é a designação social.
A Sementeira é uma marca, é a marca de uma loja e a marca de produtos também. Fica na Rua Mouzinho da Silveira, nº 178, onde começou, embora hoje tenha o 174, o 176 e o 180.
Promessa cumprida
Esta sociedade nasceu em 13 Janeiro de 1933. Foi fundada pelo meu pai Alípio Dias e pelo seu irmão Guilherme Dias. Esta fundação tem qualquer coisa que transcende a formação de uma sociedade e que é quase que a finalização de uma promessa que o meu pai tinha feito aos seus pais que tinham falecido, ambos nos espaço de seis meses. O meu pai que era muito chegado à mãe, e não era o mais velho, era o segundo, mas em quem a minha avó Vitória, que eu não conheci, muito confiava. Ela fez com que o meu pai prometesse uma coisa:
- “Não te cases, não arrumes a tua vida sem primeiro cuidares dos teus irmãos.”
O meu pai tinha cinco irmãos. Eram quatro rapazes e eram duas raparigas.
Curiosamente, o meu pai namorou com a minha mãe 11 anos e só se casou oito dias depois da única irmã que estava solteira se ter casado. Cumpriu integralmente aquilo que tinha sido a sua promessa à sua mãe.
Quando foi feita esta sociedade, o meu tio Guilherme, que foi também seu sócio, era empregado de balcão de uma pastelaria na Rua Carlos Alberto e logicamente que um comerciante na altura já era visto de uma forma diferente de um balconista. Na altura, nem chamavam balconista, chamavam-se caixeiros, portanto, seria para o meu pai um incumprimento desta promessa se montasse a sua sociedade e deixasse numa estaleca um pouco mais abaixo algum irmão que, tal como todos os outros, era muito querido do meu pai. Então não deixou de o convidar e disse:
- “Vens para meu sócio. Vamos trabalhar os dois. Eu faço a tua quota, não pagas a tua quota e vamos embora para a frente.”
Portanto, nós conhecemos todos estes episódios porque de facto assisti a uma grande franqueza e vivíamos numa família que falava nisto muitas vezes.
Não para que alguém pudesse ser enaltecido mas para que, efectivamente, pudesse ser um exemplo para os vindouros. Por aqui também se pode ver como é que a sociedade e o mundo se tem vindo a deteriorar. As pessoas hoje olham muito mais no espelho e olham-se muito menos nos olhos e é pena porque se assim acontecesse, a cidade do Porto com certeza não seria uma ilha rodeada de grandes superfícies onde todas as pessoas são anónimas, onde não existe um atendimento personalizado e onde não se contribui grandemente para o emprego, porque o emprego também é de certo modo precário. Uma pessoa que está a trabalhar num hipermercado, de hoje para amanhã pode estar no desemprego com a maior facilidade. Vieram colocar-se ao redor da cidade, criando a asfixia do Porto e a asfixia daquilo que era mais importante, que era mais educacional e que era mais a sua actividade económica e a razão da sua vida, que era o comércio. Não é que eu esteja contra as grandes superfícies, não estou. Estou contra a localização das grandes superfícies.
Sociedade de irmãos
Esta casa tinha dois sócios e tinha o que na altura se chamava o mangas de alpaca, que era o homem que fazia o que hoje seria a contabilidade. Tinha dois empregados de armazém, que ficava mesmo contíguo à própria loja. O meu pai era um homem que tinha a responsabilidade da viagem pelo país todo. Recordo-me – a minha memória de facto é um filme de recordações em movimento – que éramos três irmãos. Vivíamos na Rua Costa Cabral, mesmo pegado onde a candidata Elisa Ferreira nasceu. Nós conhecemo-la na barriga da mãe. Então, o meu pai quando ia fazer a viagem do Alentejo e do Algarve, o mínimo do tempo que estava ausente de casa era um mês. Hoje, chegamos ao Algarve em quatro horas. Podemos ir ao Algarve e voltar no mesmo dia. E porquê? Porque de facto os meios de transporte eram todos possíveis de ser utilizados. A bicicleta, andar a pé, de comboio, tudo isso. Era preciso esperar pelos horários, era preciso alugar a bicicleta, enfim… E o meu irmão Alípio, mais velho, que era um rapaz dizia:
- “O pai não vem, vou ali à praça de táxis falar com um individuo e ele leva-me ao meu pai, onde ele estiver”.
Isso significava o tempo que era necessário, o esforço humano, a tenacidade e a vontade que essas pessoas tinham para que, efectivamente, pudessem chegar onde pretendiam. O meu tio Guilherme foi sempre um homem mais ligado à parte de retalho. Eram horinhas certas de abertura e horinhas certas de reabrir no almoço.
Mas durante muito tempo esta loja não fechava para almoçar. Quer o meu pai, quer o meu tio só tinham um carro para os dois. Esse carro também era da firma porque de tarde ia fazer distribuições aqui pela cidade ou ia entregar mercadoria às camionetas, aos correios, aos comboios, etc. O meu tio pegava no carro e ia almoçar, por exemplo, ao meio-dia e pouco e passado uma hora estava aqui. Depois, ia o meu pai e passado uma hora estava aqui. Portanto, era uma vida de grande sacrifício, de grande esforço pela qual temos muito respeito e muita admiração. Logicamente, que as coisas não poderiam continuar assim. Houve toda uma evolução no mundo, em Portugal talvez mais rápida, exactamente pelo regime político que nós tivemos que só nos abriu os olhos para as nossas fronteiras que ficaram completamente escancaradas muito mais tarde do que os outros todos, como a França e a Alemanha que começaram no fim da Segunda Guerra Mundial. Portugal só na década de 70, com a Revolução é que desperta para uma coisa curiosa. A concorrência não é só o nosso vizinho do lado mas a concorrência é na Alemanha, na Dinamarca, etc.
Daí Portugal ser hoje um país menos competitivo que os outros. Começou mais tarde e quem começa mais tarde, logicamente, tem sempre mais dificuldades, até porque os outros já têm todos uma prática, que faz com que as coisas sejam muito mais automáticas. Portanto, nós estamos num período de recuperação.
E todo esse tempo das pessoas se juntarem numa loja já lá vai. Porque hoje já nem há tempo para se falar. Já só há tempo para se escrever um e-mail. Já não há tempo para conversar.
“Tivemos que crescer”
Nós tivemos de crescer, tivemos que arranjar outras instalações para o armazém, tivemos de admitir mais pessoas, tivemos de crescer no sector administrativo, tivemos de crescer na organização e hoje passado 76, quase 77 anos após a fundação, continuamos a ter um respeito muito grande, quase que diria eclesiástico pela sede, pelo local escolhido para o desenvolvimento desta actividade. Não deixamos de facto de organizar a nossa actividade e aqueles pacotinhos pequeninos de sementes que se vendiam e se faziam ao balcão, hoje são feitos por máquinas automáticas. Temos a exportação, trabalhámos muito bem com África, estamos em vias de abrir uma agência em Angola, criámos diferentes fluxos comerciais para fora das fronteiras de Portugal, temos o nosso próprio laboratório de controlo de qualidade e já somos 24 pessoas. Não quer dizer que não sejam necessárias mais pessoas.
Necessário é dar cada vez mais formação a essas pessoas para que elas estejam cada vez mais actualizadas. Eu recordo-me que as facturas eram tiradas à mão, que, na altura, demorava para aí um quarto de hora a tirar. Hoje tira-se em 30 ou 20 segundos, rapidamente, através da informática e das leituras ópticas. Portanto, tudo isso evoluiu e evoluiu também o tipo de artigos que nós trabalhamos. Uns porque começaram a ficar demodé, outros porque as próprias legislações da União Europeia, mais recentemente, nos obrigaram a deixar de as ter, de as comercializar, devido á sua toxidade. Estou a falar por exemplo de fungicidas e pesticidas, que eram um complemento da nossa actividade, mas pouco significativo, muito pouco significativo na cifra anual de vendas. Obrigam a ter umas instalações completamente fechadas, automatizadas, com uma ventilação própria, com temperaturas controladas, etc., o que é muito difícil de ter numa zona de retalho. O armazém é fácil. Agora, uma zona de retalho é muito difícil ter e ter um empregado só para isso, com a sua bata branca, com as suas luvas, custa muito dinheiro por dia. Mais a responsabilidade que é o cliente assinar um papel com um termo de responsabilidade desse tipo, que ele assume, que a destruição da embalagem é da sua inteira responsabilidade. Senão, tem de a cá trazer para nós destruirmos. Isto é perfeitamente contrário àquilo que hoje é a rapidez que é exigida pelos clientes e é exigida por todo o mercado.
Mas num armário pequenino, num supermercado, vejo lá medicamentos a serem vendidos, no meu entendimento, a sua manipulação é muito mais perigosa que os pesticidas e os fungicidas, mas, enfim não sou eu que faço as leis.