Nos restauros às vezes as coisas calham-nos muito bem. Nem sempre calham bem, mas muitas vezes calham bem. Eu tive uma cena de umas freiras que mandaram cá restaurar uma imagem e vieram-na buscar. Quando chegaram queriam-me beijar as mãos. Até hoje me arrepio. Devia ser ao contrário, como é costume. A gente quer beijar os clérigos. Ela queria-me beijar as mãos.
-”Ai o senhor tem umas mãos…”
Mas eu queria-lhe dizer que não fui eu que fiz. O que ela estava a reparar, o que ela estava extremamente alegre por ver era o rosto da imagem e o rosto eu não o faço. Tenho o meu mestre, o meu mentor que me meteu no restauro, ele é que me tinha feito aquilo. Quer dizer eu tinha pintado as bases e o resto, mas o acabamento foi feito por ele. Eu queria-lhe dizer que não fui eu e ela queria-me beijar as mãos.
- Mas não fui eu.
- “Então quero beijar as mãos do senhor que fez isto.”
E eu tive que convidar o Oliveira, que é o meu pintor de acabamentos. Fui lá levá-lo e trouxe mais umas imagens.
São as tais vantagens. Às vezes a gente faz estas coisas. Eu queria só levar lá o senhor que tinha feito e a propósito disso vieram mais duas imagens para restaurar.