Conheço o Porto há muitos anos. O meu avô era do centro do Porto, morava na rua Passos Manuel. Era comerciante, tinha uma loja na Rua 31 de Janeiro e passeei muito com ele pelas ruas do Porto. Portanto, há aqui duas épocas logo distintas. Uma quando era criança em que passeava com o meu avô e andávamos pela cidade toda. Depois, lembro-me de toda a zona da Ribeira ter, nos anos 80, um grande movimento de bares à noite.
Havia bares de todos os géneros e para todos os géneros de pessoas. A partir de dada altura começaram a abrir outros bares grandes noutras zonas do Porto e isto mudou completamente. Terminou esse movimento e mudaram muitas coisas. Mas lembro-me muito bem de ter frequentado muito a zona da Ribeira à noite.
Hoje em dia estamos noutra fase. Os bares da Ribeira funcionam muito durante o dia. Há esplanadas com muita gente e há outras coisas a acontecer.
Se calhar temos de recuar talvez 50 anos nisto para começar a perceber o que é que aconteceu ao Porto. E não só ao Porto. Aconteceu a muitas cidades.
Aconteceu a Portugal inteiro. As pessoas de uma certa geração não queriam morar aqui, queriam uma casa nova, porque viveram sempre em casas com poucas condições. E isso tem a ver com a realidade portuguesa. O que era Portugal há 40 anos? Era uma coisa muito má. A generalidade das pessoas vivia em más condições com pouco de tudo.
- “Não quero esta casa velha, quero uma nova. Eu não vou gastar o meu dinheiro a recuperar esta casa velha onde eu sempre vivi, porque eu quero mudar a minha vida toda.”
E isso é em Portugal inteiro. O Porto desertificou-se por isso, porque as pessoas foram morar para os arredores do Porto, para urbanizações que foram crescendo. Nos anos 80 e 90, houve uma construção desenfreada e especulação imobiliária louca. Agora cada um tem a sua casa e vivem lá muito felizes. Porque essa geração que olhava e não gostava e queria fugir deu lugar a outra que olha e gosta. Não é difícil gostar de uma cidade como o Porto se a gente comparar com as urbanizações que há por todos os arredores do Porto. Há Gaia, Gondomar, Ermesinde, Maia. Pronto a gente mete-se em casa e depois sai de casa e não tem nada. Tem uma rua, uma estrada. Que nem é uma rua. É uma estrada onde não passa nada, onde não tem nada para fazer. E se calhar pensa:
- “Eh pá, no centro Porto um tipo sempre sai de casa e tem algum movimento ou tem mais alguma coisa do que tem aqui. Alguma coisa está a acontecer ali onde eu posso ir e aqui não tenho.”
A padaria fecha às 20h, o supermercado fecha às 20h, o cafezito fecha à meia-noite. Mas o café não é o futuro de ninguém. Ficar no café a beber cerveja a ver televisão. Ali é o vazio.
A reabilitação do Porto está a acontecer há muito tempo. Devagarinho, depois acelerando por um motivo ou outro, mas está a acontecer. Na cabeça das pessoas há essa vontade. São situações muito complexas.
Haver alguma facilidade para porem pessoas independentes a conseguirem comprar um prédio antigo e recuperá-lo era para mim, não a chave da solução, mas uma grande alavanca para que as coisas avancem. Uma grande empresa construtora não tem dimensão para pegar num pequeno prédio, reconstruí-lo e vendê-lo. Essa grande empresa quer ficar com um quarteirão inteiro e está dimensionada para uma coisa desse género. É muito difícil em termos burocráticos. Sei e conheço alguns casos de pessoas que fizeram e que estão muito contentes e se houvesse mais individuais a poderem fazer isso com algumas ajudas… Coisas que lhes facilitassem as burocracias, até algum suporte financeiro de investimento. São investimentos, para uma pessoa só, grandes.
Seria uma grande ajuda para tudo isto começar a ser habitado. Mas lá chegaremos também.