A diferença da cidade antigamente não era muito grande. Só que havia muito mais gente, mais movimento porque as pessoas vinham à cidade para comprar, para fazer compras. O comércio aqui do Porto era muito maior.
Diariamente havia muito mais gente aqui do que há agora, porque a periferia das cidades, Penafiel, Paredes, Maia, Vila do Conde, todas essas áreas recorriam ao Porto para comprar. Não havia grandes superfícies. Não havia nada disso. Então, aqui no Porto, os armazéns eram os fornecedores número um dessa gente toda.
Gente que tinha lojas mistas e se valia do Porto para se reabastecer. Era por isso que o Porto foi sempre uma cidade de muito negócio, com muitos armazéns.
Basta dizer que, por exemplo, a Rua das Flores aquilo era porta sim, porta sim. Havia, sei lá, 20 ou 30 armazéns de malhas e miudezas, atoalhados e tudo isso.
Aliás, eu até tenho a certeza que se passeava muito mais antigamente na cidade do Porto que hoje. E isso tem a ver com desertificação da cidade. Por exemplo, eu recordo-me, quando era garoto, que as pessoas na altura de Natal vinham ver as montras ao Porto. Isso já não se usa, mas eu lembro-me perfeitamente. Os chefes de família antes do Natal ou mesmo à semana do Natal, aproveitavam para trazer os filhos e a esposa ao Porto para verem as montras, que as montras eram muito bonitas.
Eu, nos meus tempos de jovem e já casado mesmo, vinha aqui ao Porto à noite e podia-se andar no Porto. Havia sempre gente. Era 31 de Janeiro, na altura a Rua de Santo António, Santa Catarina, Sá da Bandeira, eram as ruas mais frequentadas. Depois apareceu Cedofeita, já mais tarde, Santo Ildefonso e mais algumas. Eram as ruas centrais da cidade na altura. Digamos que eram a sala de visitas da cidade em termos de montras, de comércio e tudo.
Naquela altura, era a pé que se vinha à cidade. E, quando havia dinheiro, que às vezes os pais com pena arranjavam lá uns tostõezitos e davam, a gente vinha pendurado no eléctrico e o dinheiro era para comprar uma lambarice, que não havia naquela altura.
Eram tempos complicados, mas hoje a gente tem saudades, das traquinices que fazia. Recordo-me, por exemplo, uma coisa que achava piada e que era bastante perigoso: quando chovia, a gente atravessava a ponte por baixo. Esta ponte D. Luís tem umas escadas. Não sei se essa ponte que eu digo era onde os trabalhadores andavam, porque antigamente aquela ponte era trabalhada amiúde. Andavam sempre lá os indivíduos a martelar aquilo, a tirar a ferrugem, a pintar. A meio da ponte haviam umas escadas. Uma escada que descia e outra que subia. E então nós, os jovens, vínhamos, atravessávamos a pé. Lembra-me dessas traquinices. Aquilo era engraçado. Mas perigoso.
Tudo foi acabando devido à falta da adesão das pessoas. Começaram a aparecer outros negócios, como Jumbos, Continentes, centros comerciais, outras fontes de receita e as pessoas começaram a ficar por dentro. As pessoas escusavam de ir ao Porto já para comprar. Hoje qualquer cidade, para não dizer qualquer freguesia, tem uma coisa dessas. E isso dificulta mais.
É óbvio que também o Porto começou a ficar desertificado, sem habitação.
Quantas pessoas viviam antigamente no Porto? O Porto antigamente tinha mais de meio milhão de habitantes. Dizia-se na altura e ouvia nas autárquicas, que eram 500 e tal mil. Hoje não sei se o Porto terá 300 mil. Isso também ajudou.
Depois a degradação que o Porto tem. Tudo isso contribuiu para que enfraquecesse o negócio. É como digo, a cidade começou a ficar velha, desertificada, o negócio começou a baixar. Hoje, no Porto, só negoceiam fortemente as chamadas marcas: as Zaras, a C&A, a Bershka, todas essas casas de renome. Porque todo o outro comércio tradicional atravessa de facto dificuldades imensas. Se estivermos uma hora numa loja de comércio tradicional, vêem que a adesão das pessoas é nula porque muita coisa se perdeu.
Outra coisa que também faz muito sentido é a falta de estacionamento. Por exemplo, quem mora em Gaia, na Avenida da República, se tiver duas ou três casas, não vai sair da avenida, não vem ao Porto. Se tem ali, compra ali.