Pessoas

Mini Biografia

Norberto Pinto Soares é natural de Gaia, nasceu a 6 de Outubro de 1953.

Aos 10 anos já estava a trabalhar numa ourivesaria, “era cravador de pedras, aquilo era engraçado. Era um serviço bonito.” Mas a vida era difícil e passados dois anos tornou-se comerciante. Actualmente trabalha na Guimarães & Torcato, um armazém de têxteis-lar.

Dos tempos de criança e jovem recorda “por exemplo, uma coisa que acho piada e que era bastante perigoso: quando chovia, a gente atravessava a ponte por baixo. Esta ponte D. Luís tem umas escadas. Uma escada que descia e outra que subia. E então nós, os jovens, vínhamos, e atravessávamos a pé.

Percurso profissional 1963-2009

O meu primeiro emprego não foi no comércio, foi ourivesaria. Com 10 anos já estava a trabalhar, em Gaia. Já faleceu esse senhor, fazia o trabalho em casa, onde se cravava as pedras em ouro e prata. Ainda andei lá para aí um ano e tal.

Era cravador de pedras, aquilo era engraçado, porque eram os buris em madeira, onde se trabalhava, onde se faziam os desenhos. Os anéis têm desenhos, têm aqueles trabalhos, aqueles rasgos. Então, aquilo era feito assim: tinham uma cera, tipo laca, onde se aquecia e era cravado na cera. Deixava-se secar e ficava ali firme.

Depois, trabalho feito, dava-se outra vez calor àquela massa, tirava-se o anel, mandava-se polir, lavar e ia para a clientela assim. Era um serviço bonito.

Eu gostava daquilo. Só que nessa altura não era permitido trabalhar. Só a partir dos 12 e depois, derivado às dificuldades os meus pais, diziam:

- “Ai, isso não dá nada, porque as pessoas ganham muito mal. Tens que arranjar outro emprego.”

Anos depois, foi uma coisa que deu muito dinheiro. Hoje, por exemplo, há muito pouca gente que saiba trabalhar nisso e os poucos que há, vão para fora. Então, como o comércio era um emprego que se ganhava mais ou menos naquela altura, há que vir para o comércio. Foi essa a razão. Não foi por opção, porque se calhar, se fosse por opção pessoal, não seria isto.

Crescer profissionalmente na universidade da vida

Eu com 12 anos estava a trabalhar na Rua Trindade Coelho. Comecei na Firma Artur Dias de Almeida, que já não existe. Foi a minha primeira casa. Depois passei pelo Rebelo Germano & Araújo, na Rua das Flores, e depois vim para aqui, para o Guimarães & Torcato.

Eu lembro-me de ser garoto e ir à estação de São Bento levar pacotes às pessoas. As pessoas diziam:

- “Ó rapazinho, traz-me estes pacotes.”

E lá ia eu levar os pacotes, dois e três embrulhos, um em cada mão. Com 12 anos ia levar, tornava a vir e tornava a ir. Aliás, havia os chamados paquetes, que foi assim que eu comecei a trabalhar no comércio, éramos só para transportar os pacotinhos das senhoras ou dos senhores.

Fui paquete até aos 17 anos. Aquilo era por escalões. Depois ia-se praticando, ia deitando o olho, ia aprendendo.

Então, a gente de paquete ia para ajudante de terceiro caixeiro, ajudante de segundo caixeiro, ajudante de primeiro. Fazia esse percurso todo até chegar a primeiro caixeiro. A pessoa depois ia aprendendo a atender clientes, a debitar, a separar mercadoria. Pronto, havia uma escola de ensino e era feita com a prática. Com conhecimento, as pessoas iam evoluindo e então a entidade patronal ia vendo a capacidade da pessoa e ia promovendo o empregado.

“Eu tinha capacidade para vir para aqui”

Vim parar a Guimarães & Torcato, porque me foram buscar ao Rebelo Germano & Araújo onde eu trabalhava. Viram que eu tinha capacidade para vir para aqui. Foram-me lá buscar, dando-me mais contrapartidas financeiras. Foi por essa razão que saí de lá.

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Rua

“Os comerciantes da altura não tinham mãos a medir”

A Rua Mouzinho da Silveira e a Rua das Flores eram diferentes.

Enquanto que, por exemplo, a Rua Mouzinho da Silveira eram armazéns de mercearia e de ferragens, a Rua das Flores era mais virada para ourivesaria e para este tipo de comércio tradicional de armazéns. A Mouzinho também tinha armazéns deste estilo, mas eram três ou quatro. Digamos que não era o retalho que estava implantado. Era o armazém, era o grosso.

“É uma rua conhecida, mas não é muito divulgada”

A Rua Mouzinho da Silveira tem duas coisas que eu acho piada. São os habitantes ribeirinhos, quando abrem a boca, Deus me livre, mas acabamos por ganhar afinidade às pessoas. Porque mesmo sendo elas como são, a gente acha piada e, pronto, ganha confiança. E gosto de alguma gente assim, porque não escondem nada, dizem o que sentem e dizem o que pensam. Essa é grande coisa a nível de positivo.

A nível negativo, a Rua Mouzinho tem muita coisa. Tem aquilo que eu já disse: é falta de negócio. Porque aqui se se percorrer a rua, vê-se casas fechadas que é um disparate. Não há nada para animar esta rua. Quer dizer, não há nada com que a gente diga assim: esta rua é uma rua boa para este tipo de negócio. Não é! A única coisa que se mantém aqui é aqui a Casa dos Motores, a Pichelaria dos Morgados. Porque de resto tudo o que havia aqui morreu, tudo. Foram armazéns deste ramo, foram armazéns de mercearia. Só há um, que é o Moisés Cardoso. Do resto, o que é que se vê? Não se vê mais nada.

Como digo, esta rua só é útil no Verão por causa do turismo. Porquê? Porque fica a caminho da Ribeira e então chama a atenção dos turistas. Fora disso é uma rua um pouco morta para o comércio. Esta é a realidade. Não é uma rua muito procurada. Eu vejo aqui por experiência própria: a gente tem preços convidativos e as pessoas, às vezes, dizem:

- “Ai, nem sabia que esta casa existia!”

- “Ai, mas fica muito cá para baixo.”

Digamos que é uma rua conhecida, mas não é uma rua muito divulgada em termos de comércio tradicional. É aquilo que eu penso e é aquilo que eu ouço.

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Lugar

“Foi sempre uma cidade de muito negócio”

A diferença da cidade antigamente não era muito grande. Só que havia muito mais gente, mais movimento porque as pessoas vinham à cidade para comprar, para fazer compras. O comércio aqui do Porto era muito maior.

Diariamente havia muito mais gente aqui do que há agora, porque a periferia das cidades, Penafiel, Paredes, Maia, Vila do Conde, todas essas áreas recorriam ao Porto para comprar. Não havia grandes superfícies. Não havia nada disso. Então, aqui no Porto, os armazéns eram os fornecedores número um dessa gente toda.

Gente que tinha lojas mistas e se valia do Porto para se reabastecer. Era por isso que o Porto foi sempre uma cidade de muito negócio, com muitos armazéns.

Basta dizer que, por exemplo, a Rua das Flores aquilo era porta sim, porta sim. Havia, sei lá, 20 ou 30 armazéns de malhas e miudezas, atoalhados e tudo isso.

Aliás, eu até tenho a certeza que se passeava muito mais antigamente na cidade do Porto que hoje. E isso tem a ver com desertificação da cidade. Por exemplo, eu recordo-me, quando era garoto, que as pessoas na altura de Natal vinham ver as montras ao Porto. Isso já não se usa, mas eu lembro-me perfeitamente. Os chefes de família antes do Natal ou mesmo à semana do Natal, aproveitavam para trazer os filhos e a esposa ao Porto para verem as montras, que as montras eram muito bonitas.

Eu, nos meus tempos de jovem e já casado mesmo, vinha aqui ao Porto à noite e podia-se andar no Porto. Havia sempre gente. Era 31 de Janeiro, na altura a Rua de Santo António, Santa Catarina, Sá da Bandeira, eram as ruas mais frequentadas. Depois apareceu Cedofeita, já mais tarde, Santo Ildefonso e mais algumas. Eram as ruas centrais da cidade na altura. Digamos que eram a sala de visitas da cidade em termos de montras, de comércio e tudo.

“Era a pé que a gente fazia o transporte”

Naquela altura, era a pé que se vinha à cidade. E, quando havia dinheiro, que às vezes os pais com pena arranjavam lá uns tostõezitos e davam, a gente vinha pendurado no eléctrico e o dinheiro era para comprar uma lambarice, que não havia naquela altura.

Eram tempos complicados, mas hoje a gente tem saudades, das traquinices que fazia. Recordo-me, por exemplo, uma coisa que achava piada e que era bastante perigoso: quando chovia, a gente atravessava a ponte por baixo. Esta ponte D. Luís tem umas escadas. Não sei se essa ponte que eu digo era onde os trabalhadores andavam, porque antigamente aquela ponte era trabalhada amiúde. Andavam sempre lá os indivíduos a martelar aquilo, a tirar a ferrugem, a pintar. A meio da ponte haviam umas escadas. Uma escada que descia e outra que subia. E então nós, os jovens, vínhamos, atravessávamos a pé. Lembra-me dessas traquinices. Aquilo era engraçado. Mas perigoso.

O que ajudou a destruir a cidade e o comércio

Tudo foi acabando devido à falta da adesão das pessoas. Começaram a aparecer outros negócios, como Jumbos, Continentes, centros comerciais, outras fontes de receita e as pessoas começaram a ficar por dentro. As pessoas escusavam de ir ao Porto já para comprar. Hoje qualquer cidade, para não dizer qualquer freguesia, tem uma coisa dessas. E isso dificulta mais.

É óbvio que também o Porto começou a ficar desertificado, sem habitação.

Quantas pessoas viviam antigamente no Porto? O Porto antigamente tinha mais de meio milhão de habitantes. Dizia-se na altura e ouvia nas autárquicas, que eram 500 e tal mil. Hoje não sei se o Porto terá 300 mil. Isso também ajudou.

Depois a degradação que o Porto tem. Tudo isso contribuiu para que enfraquecesse o negócio. É como digo, a cidade começou a ficar velha, desertificada, o negócio começou a baixar. Hoje, no Porto, só negoceiam fortemente as chamadas marcas: as Zaras, a C&A, a Bershka, todas essas casas de renome. Porque todo o outro comércio tradicional atravessa de facto dificuldades imensas. Se estivermos uma hora numa loja de comércio tradicional, vêem que a adesão das pessoas é nula porque muita coisa se perdeu.

Outra coisa que também faz muito sentido é a falta de estacionamento. Por exemplo, quem mora em Gaia, na Avenida da República, se tiver duas ou três casas, não vai sair da avenida, não vem ao Porto. Se tem ali, compra ali.

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