“Nem se ligava muito ao balcão”

Noutros tempos, a gente aqui pouco vendia a particulares. Às vezes, só se fosse a pessoas amigas. Ultimamente já vinha aqui alguma gente ao retalho, mas era assim umas peúgas, uns pijamazitos e tal, para uso pessoal. Mas era diferente.

Hoje vende-se mais ao balcão do que se vendeu os 20 anos que eu aqui estive doutra forma. Hoje sou capaz de vender, sei lá, mais num mês do que em cinco ou seis anos do outro tempo. Até nem se ligava muito ao balcão, porque raramente vinha aqui uma pessoa que parava na rua. Eu nem tinha tempo para isso.

De resto, era sempre a despachar mercadoria, a debitar, a facturar, a embalar, a mandar para fora. Quantas vezes eu tinha que mandar alguém atender, que não podia estar a perder tempo, porque tinha aí a camioneta à espera para carregar, para ir embora. Portanto, era uma casa virada para o exterior mesmo.

Hoje em dia os clientes são daqui, das redondezas, pessoas que vêm ao Porto, pessoas que passam. Mas a maioria é gente daqui da zona, ribeira, aqui Mouzinho da Silveira, rua das Flores, esta zona.

Pronto, há muitos que vêm de passagem também. Vê isto, vê aquilo na montra, o que chama a atenção, que tem preços e então leva. Por exemplo, se forem espanhóis, são mais atoalhados, jogos de banho e toalhas… Raramente fogem disso. Os espanhóis gostam dos atoalhados de Portugal. Franceses é mais atoalhados também. Depois, o resto do turista é tudo que diga Portugal. Quer dizer, levam ou uma toalha ou uns panos para levar para recordações, às vezes uns jogos de cama e tal. É dentro disso. Mas digamos que aqueles que compravam mesmo eram os espanhóis.

Aqui eu noto que as mulheres compram mais. Aliás, os homens remetem mais aquilo para as mulheres, porque normalmente aqui é artigos mais de casa. Às vezes, é curioso que eles até as travam de comprar. Elas às vezes querem levar e eles:

- “Ah, não vale a pena levar. Leva disto. Já chega!”

Os clientes são mais casais, menos juventude. O têxtil lar é uma coisa que tem muita utilidade. E isso é fácil comprar independentemente da idade. Portanto, não é um tipo de negócio que se discrimine a idade.

“Aparecem clientes e clientes, como há empregados e empregados”

Não temos problemas em relação à clientela. Agora já nem tanto, mas tive durante anos pessoas de longa data que eram quase como família. As pessoas vinham aqui:

- “Oh, isto ou aquilo!”

Às vezes até vinham com prendas. Chegou-se a usar cá disto. Havia frequentemente clientes desse tipo, porque depois aquilo já não é cliente/empregado, aquilo já era uma família. Sei lá, havia alturas que até se ia telefonar:

- “Ó pá, vem aí uma coisa que tu gostas.”

Este tipo de confiança. Agora não, porque a casa mudou. O tipo de cliente é outro e há que adquirir a amizade e a confiança das pessoas, que isso é só com o tempo, como tudo na vida.

É claro que aparecem clientes e clientes, como há empregados e empregados. Há pessoas, pronto, difíceis de atender. Também há empregados que são difíceis atender. Há empregados com mau feitio.

“O cliente é mais bem atendido na casa tradicional”

Há muito menos clientes do que havia antes. Muito menos. Uma das razões são os shoppings. Outra das razões são os clientes tímidos, que têm complexos.

Por exemplo, se vão a um centro comercial, entram por lá dentro, mexem no que há. Numa casa tradicional já não é assim. Eles deparam logo com o empregado.

Há muitas pessoas que não gostam que o empregado o aborde. Por exemplo, há pessoas que entram aqui e nem dizem “boa tarde”, nem “bom dia”, nem nada. É verdade. Turismo então! É frequentíssimo no Turismo. Os franceses não, são muito educados. Os franceses entram:

- “Bonjour!

Normalmente, vai lá ao empregado:

- “Precisa de ajuda?”

- “Não, não, não.”

E o empregado vai embora. Agora também se perderam outras coisas. Por exemplo, o empregado do centro comercial não percebe nada. Nada! Zero! A gente aqui percebe.

Áudios

Comentar